A PGR sustenta que “as ações progressivas e coordenadas da organização criminosa culminaram no dia 8 de janeiro de 2023, ato final voltado à deposição do governo eleito e à abolição das estruturas democráticas”.
Na visão da acusação, aqueles ataques foram resultado de um longo processo iniciado em 2021 e continuado em 2022, em que a organização criminosa liderada por Bolsonaro descredibilizou as urnas eletrônicas, não reconheceu a vitória de Lula e apoiou manifestações em frente a quartéis do Exército pressionando por uma intervenção militar.
Para sustentar essas acusações, a denúncia traz, por exemplo, mensagens entre Mário Fernandes, que era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, e o caminhoneiro Lucas Rottilli Durlo, que participava do acampamento em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, de onde partiram os manifestantes que invadiram as sedes dos Três Poderes.
Em uma delas, de 8 de dezembro de 2022, Durlo manifesta preocupação quanto a uma possível ação de busca e apreensão no acampamento, autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Na sequência, Fernandes escreve a Mauro Cid pedindo que acione Bolsonaro. “Se o presidente pudesse dar um input ali pro Ministério da Justiça pra segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP [Comando Militar do Planalto]”.
Ao que Cid respondeu: “pode deixar que eu vou comentar com ele”.
Além disso, argumenta a PGR, os ataques teriam sido viabilizados pela omissão das forças de segurança do DF — então chefiadas por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro — na proteção dos Três Poderes.
Para sustentar isso, a denúncia traz mensagens trocadas por integrantes da Secretaria de Segurança do DF, indicando que já era sabido que haveria uma manifestação potencialmente violenta dias antes dos ataques.
A PGR, porém, ignora em sua denúncia o que disse o delator Mauro Cid sobre o 8 de janeiro. Sua fala contraria a ideia de que houve um planejamento para a invasão dos Três Poderes com objetivo de derrubar o governo.
“Ministro, o dia 8 foi uma surpresa para todo mundo. Os militares estavam de férias”, afirmou a Moraes em depoimento.
Para Davi Tangerino, professor da UERJ, a argumentação da PGR para implicar Bolsonaro nos atos de 8 de janeiro “é o link mais fraco” da denúncia e seria “questionável” condená-lo por aqueles ataques.
“Nós não temos ali uma prova muito contundente de que ele tenha determinado, ordenado, de alguma forma participado disso”, afirmou, lembrando que Bolsonaro já não era mais presidente.
“Ele já não tinha mais o dever de interromper [os supostos crimes em andamento]”, afirmou ainda.
Na sua leitura, porém, há elementos para processá-lo e condená-lo por golpe de Estado, como o depoimento de Gomes Freire de que se recusou a embarcar nos planos para manter Bolsonaro no poder.
“A ter uma condenação questionável [de Bolsonaro pelo 8 de janeiro], eu preferia que se centrasse naquilo que é bem forte mesmo”, ressaltou.
O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua também considera “muito fraca” a ligação entre Bolsonaro e o 8 de janeiro apontada pela PGR.
“O general Mário Fernandes, que era chefe de gabinete da Secretaria-Geral da Presidência da República, que era ligado ao presidente Bolsonaro, tinha contato com os manifestantes de 8 de janeiro. Isso é uma ligação bem indireta para condenar alguém por crimes tão graves”, afirma.
Na sua visão, a principal força da denúncia está na narrativa lógica criada pela PGR de que foi capaz de conectar desde os ataques públicos de Bolsonaro às urnas eletrônicas até os atos de 8 de janeiro.
“Então, a criação de um enredo que conecte todos esses eventos é uma força de acusação, porque favorece que eventos para os quais já existem muitas provas [como as lives atacando as urnas] se conectem numa linha de coerência que leva ao evento chave de 8 de janeiro 2023, que, por sua vez, tem a morfologia, a forma de uma tentativa clássica de golpe de Estado, que é invasão de prédio público, quebradeira”, nota Pádua.
Por outro lado, diz, apoiar a denúncia em uma grande narrativa também pode ser uma fraqueza, na sua visão.
“E qual é a fraqueza? É que, se você não aceita esse enredo como verdadeiro, esses eventos dissociados um dos outros não demonstram o início da execução dos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado”, afirma.
Para Pádua, não está totalmente comprovado que o 8 de janeiro atendeu a comandos claros da suposta organização criminosa denunciada. Ele nota que não há mensagens de lideranças monitorando o que estava acontecendo no dia, por exemplo.
“Acho que acusar os denunciados pelo 8 de janeiro é necessário para fazer jus ao enredo apresentado pela denúncia. Mas talvez seja, num primeiro momento, a parte mais fraca desse enredo”, avalia.
* com a BBC Brasil